Este artigo foi publicado nos anais do SIBRAGEC
2019. Você pode citá-lo, em formato ABNT:
CARDOSO, Gabriel Camargo; ABREU, João Paulo
Maciel de; MARCHIORI, Fernanda Fernandes. Resultados obtidos com a aplicação da
polivalência da mão de obra na construção civil: revisão sistemática. In: XI Simpósio
Brasileiro de Gestão e Economia da Construção. 2019. Anais... Londrina:
2019. Disponível em: https://www.antaceventos.net.br/index.php/sibragec/sibragec2019/paper/view/250. Acesso em: 25 out. 2019
ABSTRACT
Despite its
relevance, the construction industry has been facing the same problems for
decades. The lack of skilled labour, workers with few opportunities for professional
growth, recurrent delays and high turnover rates are sector’s well known and
hard to solve problems. Although important in the context of lean thinking, the
concept of multi-skill faces resistance due to the learning effect and uncertanties
about productivity. Considering the aforementioned situation, this review aims
to compile the main results of studies carried out on the effects of
multi-skill, when applied to the civil construction reality, as well as to
analyse parameters related to the papers in question. A total of twenty-three publications
were found in a systematic bibliometric review.
Results are partial and are part of a bigger research effort. It was observed
that a multifunctional workforce benefits both employees and employers. A shortage
of studies with real work environment results was discovered, with most of the
papers focusing on computer models.
Keywords: Construction Industry. Multi-skill. Crosstrain.
1 INTRODUÇÃO
A indústria da construção civil possui características que permaneceram
praticamente inalteradas nas últimas décadas, destacando-se a falta de capacitação
e reduzida capacidade de crescimento profissional pelos operários (MENDES, 2010;
OLIVEIRA, 2010). Como alternativa, a polivalência da mão de obra apresenta
vantagens ao empregado, por proporcionar maior estabilidade no emprego (BURLESON et.
al., 1998), e ao empregador, por aumentar a capacidade de
resposta em caso de uma eventual demanda não prevista.
Em busca da maior geração possível de valor, Koskela et al. (2002) explicam que o lean tem como meta a minimização do desperdício
de materiais, de tempo e de esforço. Ele surgiu na indústria da construção após
ter sido aceito nas indústrias de manufatura ocidentais (GAO; LOW, 2014).
Um dos princípios da lean construction,
a polivalência é definida como a capacidade de realizar diferentes tarefas dentro
de um empreendimento, proporcionada pelo conjunto de habilidades adquiridas
pelo trabalhador (BURLESON et. al.,
1998). Apesar de importante dentro do lean,
o conceito apresenta resistência por conta do não aproveitamento do efeito aprendizagem
e indagações sobre produtividade frente ao trabalhador especializado (MCGUINNESS;
BENNETT, 2006).
Como apontam Gao e Low (2014), as características intrínsecas do setor
da construção dificultam o desenvolvimento de novas habilidades no operário. A
necessidade de recursos para treinamento em novas habilidades, o tempo
demandado para conseguir boa produtividade com as mesmas, o temor da estagnação
salarial e a rotatividade da mão de obra dificultam um treinamento que envolva
habilidades diversas, de modo que as construtoras estão mais propensas a
treinar com outros enfoques como segurança do trabalho, por exemplo.
Diante do exposto, a presente revisão tem como objetivo compilar os principais
resultados de estudos realizados acerca dos efeitos da aplicação da polivalência
da mão de obra no setor da construção civil. Também analisa parâmetros referentes às publicações sobre o tema.
2 MÉTODO
Para a realização da revisão sistemática, foi
utilizado como base o método SSF – SystematicSearchFlow
(FERENHOF; FERNANDES, 2016), cujas etapas são mostradas na Figura 1. Os termos “polivalência” e “multifuncionalidade”
são usados como sinônimos. Efetuadas essas etapas, disponibilizou-se, então, a
lista com as publicações selecionadas no website:
Algumas referências
não puderam ser incluídas nessa revisão por não estarem disponíveis na internet
ou por apresentarem outras barreiras de acesso. Também foram excluídos da
análise os artigos em que os termos considerados aparecem compondo definições e/ou
considerações, sem apresentar, porém, resultados de implantação, bem como aqueles
sem comparação com a mão de obra monovalente.
Figura 1 - Etapas da busca realizada. Fonte: Os Autores (2019).
3 RESULTADOS
A pesquisa em bases
de dados brasileiras resultou em um pequeno número de publicações (apenas duas).
São consideradas possíveis explicações os termos empregados para a pesquisa e a
realidade do setor no país. Nas bases internacionais, foram encontrados vinte e
três artigos.
Durante
o processo de busca, foi encontrada uma revisão sistemática (NASIRIAN;
ARASHPOUR; ABBASI, 2019) realizada com objetivos similares, mas com uma abordagem
mais geral, ser ter os resultados de implantação como foco. De todo modo, foi
utilizada como importante referência.
3.1 Bibliometria
Analisando-se a Figura 2, nota-se que, apesar de não ser uma linha de
pesquisa recente, a taxa de publicações indica a manutenção da relevância do
assunto tratado. Os dados referentes a 2019 podem sofrer alterações.
Figura 2 - Publicações por ano. Fonte: Os Autores (2019).
Nota-se, a partir da
Figura 3, que as publicações da ASCE (Journal of
Construction Engineering and Management) e da Elsevier (Automation in Construction)
correspondem, juntas, a 44 % do total. Sob a denominação “outros”, cada fonte contém
apenas um artigo. Constatou-se que a Lei de Bradford- que enuncia que a ordenação decrescente de
produtividade de artigos nos periódicos científicos possibilita a criação de
grupos com número de fontes proporcional a 1:n:n² (MACHADO JUNIOR et al,
2016) - é visível para os meios de publicação, com análises posteriores não
tendo confirmado o mesmo para os autores.
Figura 3 – Fontes de Publicação. Fonte: Os Autores (2019).
Como esperado, a palavra-chave
mais utilizada foi “multiskilling” (cinco artigos). Outras variantes,
como multi-skill e multi-skilling, também foram encontradas,
mas em menor quantidade.
3.2 Abordagens da polivalência
A matriz de conhecimento
obtida foi dividida em três categorias: aplicação, análise e simulação (Figura 4). A divisão “aplicação” apresenta resultados
a partir de aplicação da polivalência em canteiros reais e coleta de dados
pelos autores daqueles estudos. Aqueles que se fundamentaram em bases de dados fornecidas
pela indústria foram classificados com o termo “análise” e os que possuem
resultados por meio de simulações computacionais, foram denotados como “simulação”.
As divisões serão denominadas classe 1, 2 e 3, respectivamente.
Figura 4 – Classificação dos artigos analisados. Fonte: Os Autores (2019).
Como exemplo de artigos da classe 1, tem-se Bogado
(2010), que destacou a implantação de treinamento de competências múltiplas
para trabalhadores da construção civil, com divisão da força de trabalho em
dois grupos (experimental e de controle) para analisar os resultados. O grupo
com treinamento apresentou desempenho aproximadamente 11 % superior ao grupo
sem treinamento para polivalência, além de redução no tempo de execução dos
processos na obra analisada e economia de 10 % com recursos humanos.
Os trabalhadores tornaram-se mais produtivos
e o trabalho por eles executado apresentou qualidade superior ao do grupo sem
treinamento. O investimento em capacitação representou menos que 1 % do preço
total da obra (BOGADO, 2010). Outro exemplo, que reforça os benefícios da
polivalência destacados em toda a Classe 1, é Moser e Santos (2003). Estes
autores aplicaram o conceito de célula de manufatura móvel no processo construtivo
de paredes de gesso acartonado, e constataram aumento da flexibilidade do
processo, redução no número de atividades de inspeção, transporte e espera,
além da eliminação de atividades que não agregavam valor. Uma célula de
produção consiste em um layout no qual as máquinas e os trabalhadores
dispõem-se próximos uns aos outros, obedecendo à uma sequência lógica de
produção. Nesse cenário, espera-se dos trabalhadores a capacidade de executar
diferentes funções.
Em relação à classe 2, pode-se destacar o artigo
de Haas et al. (2001) que, por meio
de informações obtidas por entrevistas presenciais e por telefone com empresas
de construção, destacaram o uso das competências múltiplas como estratégia para
reduzir o número de contratações e demissões. O sucesso da implantação, segundo
eles, decorre da correta alocação e composição das equipes durante o planejamento.
Nos estudos dessa classe, também se observa conclusões favoráveis à
polivalência.
A classe 3, é a que detém o maior número de
artigos. Nessa classe, encontram-se produções como as de Burleson et al. (1998), Gomar, Haas e Morton
(2002) e Nwaogazie, Augustine e Henshaw (2016), e nela, se observa publicações
com conclusões em sentido favorável e oposto à polivalência da mão de obra.
Burleson et
al. (1998) analisaram quatro potenciais estratégias de polivalência, tendo
destaque a dualskill e a four skill-helper. Apesar dos benefícios
da dualskill, a estratégia four skill-helper proporcionou economia de
19 % nos custos de mão de obra, redução de 35 % no número de trabalhadores
necessários e aumento de 47 % no tempo em que os trabalhadores permaneciam
empregados. Ganhos referentes à segurança no canteiro, e oportunidades para
inovações e implementação de tecnologias, também foram indicados. A estratégia dualskill identifica combinações de
habilidades complementares no sentido de aumentar a empregabilidade do trabalhador,
como carpintaria/instalações hidráulicas. Trabalhadores menos experientes de
três grupos de classificação (civil/estrutural, área mecânica e área elétrica)
são incluídos em um quarto grupo (suporte geral) (BURLESON et al., 1998).
Outras publicações obtiveram resultados
similares. Redução de custos com mão de obra também foram encontrados por Ataleb,
Moussa e Hussain (2014). Gouda, Hosny e Nassar (2017) constataram redução no
número de trabalhadores necessários para a realização de projetos de construção
linear. Projetos com propriedades lineares apresentam atividades repetitivas.
Alguns exemplos são: construção de rodovias, ferrovias e dutos.
Gomar, Haas e Morton (2002) destacaram que a alocação
se torna mais complexa com o uso da polivalência. Tendo variado entre 0 e 60 %
a porcentagem de trabalhadores multifuncionais, notaram que, a partir de 10 - 20
%, os benefícios da polivalência em relação às contratações e demissões, e aos
custos envolvidos nesses processos, apresentavam aumento negligenciável. Os benefícios referentes à estabilidade do
trabalhador no serviço tornaram-se marginais quando possuíam habilidades em
número superior a duas ou três.
Nwaogazie, Augustine e Henshaw (2016), tendo como
base uma obra realizada na Nigéria, concluíram que o uso de dualskill pôde reduzir em 23 % o custo
de mão de obra no projeto analisado mesmo quando 10 % do salário da segunda
habilidade foi adicionado ao salário da primeira habilidade. A estratégia
reduziu os custos até a adição de 40 % do salário na primeira habilidade. Além
disso, o número de trabalhadores sofreu redução de 30 %.
Diferentemente
da maioria das publicações dessa classe, alguns artigos apontaram para aspectos
negativos no uso da polivalência em determinadas situações, como o de Sacks,
Esquenazi e Goldin (2007), que chamaram atenção para o aumento do trabalho em
processo, o que pode levar ao aumento de retrabalho. Mcguinness e Bennett
(2006), com a análise de dados referentes ao setor na Irlanda do Norte,
destacaram que uma mudança em larga escala para treinamento em competências
múltiplas tenderia a reduzir os níveis de produtividade do trabalhador.
4 CONCLUSÕES
Com a leitura dos
artigos que compõem essa revisão, constata-se que a introdução da polivalência
pode resultar em aumento da produtividade da mão de obra e redução de custos
com contratações e demissões. Também pode representar menor rotatividade,
maiores oportunidades de crescimento profissional para o trabalhador, aumento da
remuneração e maior flexibilidade dos processos.
Apesar de possuir competências
múltiplas, o trabalhador geralmente se torna polivalente por meio da experiência
adquirida em obras por onde passou, muitas vezes sem o devido conhecimento de
boas práticas e normas técnicas. Não recebe, também, o estímulo que um curso formal
e um certificado podem proporcionar, geralmente ocorrendo na parcela de
autoconstrução.
A partir de certo número
de habilidades, os benefícios da polivalência tornam-se marginais. Efeitos
negativos significativos podem surgir pela má escolha de habilidades
complementares. O sucesso da implantação decorre da correta alocação e composição
das equipes durante o planejamento. A produtividade dos trabalhadores fora das
suas habilidades mais desenvolvidas é inferior à do especialista, porém, analisando
o sistema como um todo, a produtividade da mão de obra tende a aumentar, com a redução
do tempo de espera e realização de tarefas simultâneas.
A dinâmica do setor
da construção civil no Brasil não é a mesma que a dos Estados Unidos ou de
países europeus, onde a maior parte das pesquisas levantadas foram realizadas.
As pesquisas adequadas para a realidade brasileira são as que buscam melhorias
em índices de produtividade, desperdício e custos com mão de obra por meio de
treinamento em habilidades diversas, a fim de prover uma educação formal à
força de trabalho que, muitas vezes, já executa diferentes tarefas dentro de
uma mesma obra. Estudos sobre treinamento com foco no desenvolvimento de competências
múltiplas, bem como seu impacto em canteiros reais, ainda representam lacuna a
ser preenchida.
Como ressalva, admite-se
a possibilidade de os resultados não abordarem as vantagens da especialização,
pela não inclusão de termos de busca como “efeito aprendizado”. Pesquisas com
cruzamento de dados com a presente revisão devem promover a continuidade do
presente estudo.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio no
desenvolvimento desta pesquisa, com origem em Mestrado Acadêmico.
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